sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Conheça os Motivos para o Encolhimento dos Hare Krishnas

Conheça os Motivos para o Encolhimento dos Hare Krishnas

 Octavio da Cunha Botelho




Introdução

Os mais velhos que vivenciaram os anos 1960 e 1970 do Movimento Contracultura, ao lerem este artigo, reconhecerão logo o significado do Movimento Hare Krishna naquele contexto, já os jovens poderão achá-lo interessante e instrutivo, mas para entender de verdade o que representou o Movimento Hare Krishna para aquela época, terão de pedir a seus pais para contar-lhes com tempo e paciência. Proveniente de uma seita vishnuísta difundida antes apenas regionalmente na Índia, esta doutrina foi trazida para o Ocidente nos anos 1960 para, em pouco tempo, se tornar o mais popular e rico dos Novos Movimentos Religiosos. A popularidade e visibilidade chegaram a tanto que pareciam que seus adeptos eram ubíquos. Eles estavam sempre nas ruas, nas praças, nos ônibus e nos aeroportos, das grandes cidades, distribuído seus livros, revistas e incenso em troca de doações em dinheiro, bem como não eram esquecidos nos meios de comunicações: jornais, revistas, televisão, rádio e cinema; quer como notícia ou como alvo de zombaria. Com o tempo o Movimento se transformou na imagem da religião hindu no Ocidente.  Já seu caráter exótico, para os ocidentais naturalmente, atraiu artistas e intelectuais para o seu séquito.

            Assim, o estudo abaixo pretende apontar os motivos que levaram a diminuição da visibilidade deste Movimento nos dias de hoje, bem como a sua recente transformação no sentido de tornar-se, em contradição com a sua proposta inicial, uma religião étnica, em virtude do crescente aumento do ingresso de imigrantes hindus nas suas comunidades e da frequência dos mesmos nos seus templos, sobretudo nos países de língua inglesa onde esta imigração é numerosa.

           
Religião proselitista e religião hereditária

           
Dentre as várias maneiras de classificar as religiões, uma delas é dividi-las quanto à sua admissão de novatos, ou seja, as que aceitam convertidos, por isso estão abertas ao ingresso de qualquer pessoa, estas são conhecidas como religiões proselitistas. Assim, são consequentemente as com maior possibilidade de crescimento do seu séquito, em vista do ímpeto missionário e propagandista. As religiões proselitistas mais conhecidas são: o Cristianismo, o Islamismo, o Budismo, o Taoismo e o Sikhismo. Por outro lado, existem as religiões que não aceitam convertidos, seu ingresso somente acontece através da descendência familiar, ou seja, para ser um adepto desta modalidade de religião é necessário que seja filho ou filha de um casal desta mesma religião. Esta é a que é conhecida como religião hereditária, cujos exemplos mais conhecidos são: o Hinduísmo, o Jainismo, o Zoroastrismo e algumas correntes do Judaísmo. Por exemplo, para ser um hindu, é necessário que seja filho ou filha de um casal hindu, que automaticamente pertença a qualquer uma das castas e a um dos estágios de vida do hindu (varnashrama dharma); logo, não é possível se tornar um hindu através da conversão. Entretanto, desde alguns poucos séculos para cá começaram a surgir excepcionais movimentos religiosos na Índia que extraem as suas doutrinas e as suas práticas do Hinduísmo e, ao mesmo tempo, aceitam convertidos, rompendo assim o requisito da hereditariedade e a exigência de pertencer a uma casta (varna: sudra, vaishya, kshatriya e brâmane), ou de estar situado em algum dos quatro estágios da vida (ashrama: brahmacharin, grhasthya, vanaprastha e samnyasin) do hindu.

             Agora, a razão para a explicação acima é que o Movimento Hare Krishna se enquadra neste último exemplo, visto que suas doutrinas e suas práticas de bhakti yoga (yoga devocional) são comuns com o Hinduísmo tradicional, porém a instituição aceita qualquer novato, com isso desrespeita o sistema de castas e dos estágios da vida, daí o motivo que o levou a alcançar propagação mundial.

Os seis principais cultos do Hinduísmo

            Apesar da habitual insistência dos hindus em assegurarem a unidade do Hinduísmo, estudos crítico-históricos apontam que o que denominamos de Hinduísmo atualmente é, na realidade, uma reunião de antigas tradições com pontos em comum e outros em contraste, mais do uma religião unificada propriamente. Dentre os tantos cultos que se juntaram para formarem o que se denomina hoje de Hinduísmo, seis deles sobresaem em popularidade, os quais são denominados coletivamente como os shanmatas (os seis principais cultos de adoração), que são:

1) o culto shakta (adoração da energia universal – Shakti),
2) o culto ganapatya (adoração do deus Ganesha, também conhecido como Ganapati),
3) o culto kaumara (adoração do deus Kumara, o qual também recebe os nomes de: Skanda, Subramanya, Karthikeya e Muruga),
4) o culto saura (adoração do deus-sol Surya),
5) o culto shaiva (adoração do deus Shiva) e
6) o culto vaishnava (adoração do deus Vishnu).
            
Dentre estes, os dois últimos, isto é, os cultos shaiva (shivaista) e o vaishnava (vishnuista) são os mais populares, portanto universalmente praticados na Índia hoje (Klostermaier, 2000: 80-187). Enfim, é da tradição deste último, o culto vishnuista (vaishnava), adoração ao deus Vishnu, que o Movimento Hare Krishna se origina, com a peculiar diferença na maior ênfase na adoração de uma das encarnações (avatars) de Vishnu, Sri Krishna, atribuída pelo fundador da tradição gaudiya vaishnava.

A origem do Movimento Hare Krishna

            Para os muitos ocidentais que não conhecem as tradições antigas da Índia, a exótica International Society for Krishna Consciousnes (ISKCON), mais conhecida popularmente como Movimento Hare Krishna, parece uma recente e artificial adaptação de tradições hindus, intencionalmente destinada a provocar o sentimento de exotismo nos ocidentais, sem nenhuma linhagem tradicional. Também, outros pensam que suas doutrinas e suas práticas representam o Hinduísmo como um todo. No entanto, a realidade é diferente, a origem do movimento se encontra numa antiga tradição vishnuísta (culto ao deus Vishnu) conhecida como tradição Gaudiya Vaishnava, iniciada nos estados de Bengala e de Orissa, Índia, no século XVI e.c., por um santo devoto do deus Krishna conhecido como Sri Chaitanya Mahaprabhu (1486-1533). Diferente das outras interpretações hindus, Chaitanya elevou Krishna para o mais alto nível no panteão hindu, contrariando os ortodoxos que o consideravam como uma avatar (encarnação divina) dentre outras de Vishnu. Ademais, contrariando os brâmanes ortodoxos, que só permitiam que os textos sagrados fossem lidos no Sânscrito, ele incentivou seus discípulos a traduzi-los para a língua local, o Bengalês, a fim de que sejam lidos por mais devotos, algo semelhante ao que fez também Martinho Lutero com a Bíblia, ambos foram contemporâneos no século XVI, bem como foi um dos primeiros santos indianos a abrir a oportunidade de adoração a Sri Krishna aos devotos não hindus. Suas biografias relatam que alguns dos seus discípulos mais próximos eram mulçumanos (Dasgupta, 1975: 384s e Elkman, 1986: 01-20).

           
Sri Baktivedanta Prabhupada, fundador
Mais precisamente, o Movimento Hare Krishna é a ramificação ocidental de um centro missionário da religião gaudiya vaishnava denominado Gaudiya Math, fundado por Srila Bhaktisiddhanda Saraswati Thakura, em 1920, na cidade de Mayapura, no estado de Bengala, Índia. Quando da morte do seu fundador em 1937, já existiam 64 missões gaudiyas sob a direção do Gaudiya Math de Mayapura. O qual, por sua vez, foi um desdobramento da Gaudiya Vaishnava Mission, fundada em 1886 por Swami Bhaktivinoda Thakura, pai de Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakura. O primeiro missionário enviado ao Ocidente foi Swami Bon Maharaj, logo antes da Segunda Guerra Mundial, porém seu giro pela América e Europa não foi capaz de atrair o interesse de muitos ocidentais (Klostermaier, 2000: 278). O movimento decolou mesmo no Ocidente a partir da chegada de Sri Bhaktivedanta Prabhupada, um ex-vendedor de remédios e depois proprietário de loja, educado numa escola inglesa em Bengala, o qual, aos 59 anos, deixou sua esposa e seus filhos com o seu irmão a fim de se tornar um renunciante (samnyasin).  Ele dedicou muitas horas traduzindo textos de Sri Krishna para o inglês. Então, aos 69 anos de idade, mediante a sugestão do seu guru, ele desembarcou no porto de Nova York em 19 de Setembro de 1965, com a mala repleta de traduções inglesas dos textos vaishnavas, com o objetivo de divulgar a doutrina gaudiya vaishnava no Ocidente. Certamente ele não fazia a menor ideia de que, em poucos anos, a instituição religiosa que fundou no ano seguinte, 1966, a International Society for Krishna Consciousness (ISKCON), apelidada de Movimento Hare Krishna, se transformaria rapidamente, graças ao seu ímpeto missionário e propagandista, associado ao perspicaz uso da estratégia de propaganda da cultura ocidental, na mais difundida instituição de origem indiana no mundo (Shinn, 1994; Klostermaier, 2000: 277-8; Lewis, 2001: 214s; Rochford Jr. 2005: 101s e 2007: 09s).

O exotismo dos Hare Krishnas

            Quando começaram a se popularizarem no Ocidente, as pessoas aqui os consideravam muito exóticos, para alguns eles eram até cômicos. Vistos pelas ruas das cidades com suas túnicas cor de laranja, com a cabeça raspada e apenas um rabicho (sikha) atrás, com a cinza sagrada (vibhuti) na testa, tocando o mrdanga (tambor) e os címbalos, bem como dançando ao canto do MahamantraHare Krishna Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare; Hare Rama Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare” e distribuindo varetas de incenso, revistas e livros da organização em troca de doações em dinheiro, esta prática é denominada pelo Movimento como sankirtan, diziam que aquele trabalho era para sobreviverem, mas que, na realidade, era para enriquecer a instituição, que se tornou milionária, daí que eles foram tema de zombarias pela imprensa, nos filmes, nos programas humorísticos, etc. No entanto, foi exatamente este exotismo que auxiliou a rápida disseminação do movimento. De mãos dadas com a rebeldia do Movimento Contracultura dos anos 1960 e 1970, visto que ambos os movimentos depreciavam muitos dos valores da cultura ocidental, em favor de uma nova visão de mundo e de um novo estilo de vida, o movimento cresceu ao ponto de se tornar, durante os anos acima, o mais popular e rico dentre os Novos Movimentos Religiosos. Muitos dos primeiros convertidos norte americanos ao Movimento eram hippies.

O auge da popularidade

George Harrison com monges Hare Krishnas
            Nos anos 1970, os Hare Krishnas alcançaram o clímax da sua visibilidade, eles se tornaram quase que ubíquos. Eram sempre mencionados nos meios de comunicação, muitas vezes como alvo de zombaria. Os monges eram vistos com frequência abordando pessoas nas ruas, nas praças, no interior dos ônibus e nos aeroportos das grandes cidades, oferecendo livros, revistas e incenso em troca de doações. Muitas destas abordagens chegavam a ser incômodas e constrangedoras, em razão da petulância e da insistência. Nenhuma outra atividade do Movimento foi mais criticada do que esta. Petulantes e insistentes como eram, o resultado foi que esta atividade (a sankirtan) enriqueceu a instituição ao ponto de reunir um patrimônio milionário que somava numerosas comunidades, templos, restaurantes, fazendas e colégios internos espalhados por quase todos os países do mundo. Este trabalho de distribuição em troca de doações (sankirtan) era feito pelos devotos sem remuneração e terminou no início dos anos 1980 com a intensificação das acusações de exploração de trabalho escravo (Rochford Jr., 2007: 13).

O surpreendente é que muitos intelectuais e artistas se tornaram simpatizantes do Movimento e alguns, até mesmo, adeptos. Uma conversão de celebridade muito notada foi a do Beatle George Harrison (1943-2001), cuja devoção por Sri Krishna foi colocada na música My Sweet Lord (1970), cujo disco compacto simples foi o mais vendido na Grã Bretanha em 1971. Diz-se que ele permaneceu devoto até o último dia de sua vida. No cinema, a aparição mais impressionante foi no filme Hair (1979) do diretor tcheco Milos Forman (1932- ), num episódio psicodélico quando é celebrada uma cerimônia de casamento numa igreja cristã, mas o ritual, o figurino, a música e a dança são particularmente hindus, inspirados, sobretudo, no culto de Sri Krishna. No final da cerimônia, os convidados saem da igreja dançando atrás de um grupo de monges Hare Krishna, que caminhava cantando e dançando ao som do Mahamantra. As conversões de celebridades e de pessoas abastadas trouxeram muitas doações, com as quais o Movimento se enriqueceu ainda mais.

Em suma, o Movimento Hare Krishna foi indubitavelmente o culto oriental mais popular dos anos 1960 e 1970, apesar do bombardeio de críticas pela imprensa e da perseguição difamatória dos movimentos anticultos da época, esta última promovida principalmente pelos cristãos.

O início do abalo

Monges Hare Krishnas cantando o Mahamantra na rua
            O estremecimento das estruturas do Movimento teve início logo após a morte de seu fundador, Sri Bhaktivedanta Pabhupada, em 1977. Nas palavras de E. Burke Rochforf Jr: “Logo após a morte de Prabhupada, os Hare Krishnas enfrentaram contínuos problemas de sucessão. Questões surgiram quase imediatamente sobre se sucessores de Prabhupada na verdade tinham sido iniciados por ele para atuarem como gurus na sua ausência. Dentro de uma década, a maioria dos onze gurus sucessores de Prabhupada foram obrigados a sair do movimento por causa de transgressões e/ou comportamento ilegal. Em seguida, um número de reformas foi implantado para limitar a volatilidade da instituição dos gurus, os Hare Krishnas agora têm aproximadamente cem gurus iniciando discípulos pelo mundo. Apesar das mudanças, contudo, a controvérsia persiste sobre o papel e a autoridade dos gurus Hare Krishnas e a instituição dos gurus como um todo” (Rochford Jr., 2005: 103).
            Tal como a afirmação acima deixa clara, as estruturas de autoridade do Movimento Hare Krishna tornaram-se enfraquecidas e ameaçadas nos anos que seguiram a morte do seu fundador. Isto resultou no contínuo conflito institucional e no aparecimento de um movimento insurgente dentro da própria organização, que buscou redefinir a instituição dos gurus e substituir os líderes existentes.

A avalanche de processos judiciais

            Os conflitos internos de autoridade foram apenas o começo do abalo, em seguida surgiram problemas ainda mais graves. Com a desunião e o subsequente enfraquecimento do Movimento, uma onda de descrédito levou muitos adeptos históricos a abandonarem as comunidades, os quais, individualmente ou coletivamente, solicitaram na Justiça norte americana, através de seus advogados, indenizações milionárias por exploração de trabalho escravo, por lavagem cerebral, por abuso sexual de crianças, por maus tratos, por castidade forçada, por inibição da liberdade de expressão, por cárcere privado e por abuso de trabalho infantil.

            Destas ações judiciais mencionadas acima, as que mais abalaram a reputação e a estrutura da instituição foram as ações promovidas pelos ex-alunos dos colégios internos para crianças (gurukulas), alegando abuso infantil. O fato é que, à medida que as comunidades Hare Krishnas cresceram em número de membros, sentiu-se a necessidade de criar escolas especiais para a apropriada educação das crianças. “Swami Prabhupada afirmou que os devotos deveriam estar com o tempo livre para vender livros devocionais e efetuar outros trabalhos para o culto. De modo que seus filhos deveriam ser enviados para colégios internos, assim eles não ficariam na dependência de seus pais, mas ao invés disto, se tornariam a próxima geração de devotos leais. Consequentemente, onze escolas estavam operando nos EUA no fim dos anos 1970, frequentemente conduzidas por professores e equipe administrativa precariamente selecionados e sem treinamento” (Singer, 2003: 348). A história começou assim. “a primeira gurukula formal foi fundada em Dallas em 1971, e permaneceu a única escola deste gênero no movimento até 1976, quando as autoridades estaduais obrigaram-na a fechar. Na época do fechamento, a escola tinha aproximadamente cem alunos, a maioria estava entre as idades de quatro e oito anos” (Rochford Jr., 2007: 75). Mas os Hare Krishnas eram insistentes e “em 1975, com a extinção da escola de Dallas, gurukulas foram abertas em Los Angeles e em New Vrndavan, e entre 1975 e 1978, onze escolas Hare Krishnas foram abertas nos EUA. Em 1976, a Bhaktivedanta Swami International Gurukula começou a aceitar adolescente como alunos em Vrndavan, Índia. Uma vez que os Hare Krishnas tornaram-se um movimento global nos fins dos anos 1970 e início dos anos 1980, gurukulas foram abertas na França, na Austrália, na África do Sul, na Inglaterra e na Suécia, e em 1980 e 1981, escolas regionais foram abertas em Lake Huntington, Nova York, e Califórnia central respectivamente” (Rochford Jr., 2007: 75).

           
Relatos de jovens, pais e educadores, que posteriormente abandonaram o Movimento, confirmaram que as crianças que frequentavam as gurukulas sofreram abuso sexual, psicológico e físico.  O número de vítimas não pode ser conhecido com muita exatidão, mas uma pesquisa não aleatória feita em 1998 pelo Ministério da Juventude do Movimento Hare Krishna, com 115 ex-alunos, então nas idades entre 15 e 34 anos, descobriu que 25% tinham sido sexualmente abusados por mais de um ano; 29% relataram que eles experimentaram abuso sexual por um período de um mês a um ano. Quanto ao abuso físico, 31% indicaram que eles tinham sido repetidamente espancados por um professor ou por alguém mais velho, ao ponto de deixar marcas em seus corpos (Rochford Jr., 2007: 75). Os casos não param por aí. “Em Janeiro de 2002, a Association for the Protection of Vaishnava Children - APVC (Associação para a Proteção de Crianças Vaishnavas), que foi formada em resposta às crescentes alegações de abuso infantil, tinha recebido alegações de maus tratos infantis, incluindo abuso infantil, contra mais de 300 pessoas. 60% dos relatos de abusos feitos à APVC foram de antes de 1992, quando existiam grandes quantidades de alegações ligadas com uma escola (gurukula) Hare Krishna. Ainda mais, mais de 80% destes casos eram acusações de abuso sexual” (Rochford Jr., 2007: 75-6).

            O motivo que levou os monges Hare Krishnas a cometerem estas crueldades com as crianças tem um fundo ideológico e é explicado por E. Burke Rochford Jr. assim: “Como o número de casamentos e de filhos começou a crescer nos meados dos anos 1970, a vida familiar foi definida pela elite de renunciantes dos Hare Krishnas como um símbolo de fraqueza espiritual. Como um grupo politicamente marginal e estigmatizado, os pais de família foram deixados incapazes de afirmar sua autoridade de pais sobre suas vidas e de seus filhos. As crianças foram abusadas em parte porque elas não eram valorizadas pelos líderes, e mesmo, muito frequentemente, por seus próprios pais, que aceitavam as justificativas teológicas e outras mais oferecidas pela liderança para permanecerem não envolvidos nas vidas de seus filhos” (Rochford, 1998).

            Agora, o golpe mais forte contra o Movimento Hare Krishna aconteceu em 12 de Junho de 2000, quando 44 ex-adeptos, que sofreram abusos no passado, entraram com uma ação judicial na Corte de Justiça da cidade de Dallas, EUA, solicitando uma indenização de US$ 400 milhões pelos abusos e pelos maus tratos (Campbell, 2000 e Singer, 2003: 349). A notícia correu o mundo e o Movimento, que já vinha gradativamente declinando, ficou com sua imagem ainda mais deteriorada. Logo em seguida, algumas comunidades Hare Krishnas nos EUA, temendo o confisco judicial, solicitaram na Justiça a proteção da Lei de Falência, a fim de evitar o arresto de seus bens (Singer, 2003: 349).

            As consequências de todas estas turbulências foram que a prática da sankirtan (distribuição de livros, revistas e incenso em troca de doações) foi abolida e as gurukulas (escolas internos para crianças) foram fechadas. Com o fim da sankirtan, os monges Hare Krishna tiveram de procurar emprego no mercado de trabalho para se sustentarem, uma vez que a renda obtida da prática de distribuição em troca de doações foi paralisada. Também, com o fechamento das gurukulas, os filhos dos adeptos passaram a estudar em escolas públicas, tal como a maioria das crianças. Enfim, o resultado foi que, a partir de então, o tão conservador e exótico Movimento Hare Krishna foi obrigado a se submeter a um processo de secularização, o qual resultou numa radical transformação no perfil e no estilo de vida de seus adeptos, o que explica, em grande parte, o motivo da diminuição da sua visibilidade, em vista da amenização do seu caráter exótico (Rochford Jr., 2005: 101-8 e 2007: 97-114).

Concluindo, o Movimento Hare Krishna se transformou numa instituição legalmente falida, bem como judicialmente ameaçada de perder talvez quase todos os seus bens, os quais acumulou com a exploração do trabalho gratuito de distribuição de livros e de incenso em troca de doações (sankirtan) por seus adeptos, diante da avalanche de ações judiciais. 

O movimento circular

            Como mencionada acima, a abolição da prática de distribuição em troca de doações secou a principal fonte de renda dos Hare Krishnas, com isso tiveram que procurar outra fonte de renda para o sustento de suas comunidades e de seus templos. Esta procura resultou num fenômeno curioso e, até certo ponto, surpreendente, ou seja, o gradativo aumento do ingresso de imigrantes hindus no Movimento Hare Krishna nos países com imigração numerosa, sobretudo os de língua inglesa, a partir das últimas décadas. O resultado foi que, com o tempo, estes imigrantes hindus passaram a ser a maioria em algumas comunidades e templos, bem como alguns hindus se tornaram até presidentes de algumas comunidades. São eles que fornecem a maioria do sustento econômico do Movimento atualmente (Rochford Jr., 2005: 104). Por outro lado, nos países onde não existe grande número de, ou nenhuma imigração hindu, o movimento quase que desapareceu.

            E. Burke Rochford Jr. chama este processo de “hinduização” do Movimento Hare Krishna (Rochford Jr., 2007: 181-200). Bem, a conclusão que se pode extrair deste fenômeno é que a história do Movimento Hare Krishna efetuou um movimento circular, no que diz respeito ao critério de ingresso de novatos. Ou seja, de um movimento que abriu as portas do culto a Sri Krishna para todos, independentes de religião, de casta, de cor, de nacionalidade e de sexo, contrariando a ortodoxia hindu da época, trabalho efetuado por Sri Chaitanya Mahaprabhu no século XVI, foi então trazido para o Ocidente com este mesmo propósito, para finalmente, a partir das últimas décadas, voltar ao estágio anterior a Sri Chaitanya, quando o culto de Sri Krishna era praticado somente por hindus, se transformar gradativamente em um movimento majoritariamente hindu. Enfim, o Movimento Hare Krishna, que foi marcado pela sua abertura religiosa a todos os povos, culturas e raças, está se transformando, aos poucos, numa religião étnica.




Bibliografia
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CAMPBELL, Julia. Hare Krishna Schools Sued: Federal Suit Involves 44 Plaintiffs Alleging Abuse. ABC News.com, June 12, 2000.
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KLOSTERMAIER, Klaus K. Hinduism: A Short History. Oxford: Oneworld Publications, 2000, 277-80.
LALICH, Janja A. Bounded Choice: True Believers and Charismatic Cults. Berkeley: University of California Press, 2004, p. 12-4.
LEWIS, James R. (ed.). Odd Gods: New Religions and the Cult Controversy. Amherst: Prometheus Books, 2001, p. 214-8.
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SHINN, Larry. The Maturation of the Hare Krishna Movement. ISKCON Communications Journal, vol. 02, No 01, January, 1994.  

SINGER, Margaret T. Cults in Our Midst. San Francisco: Jossey-Bass, 2003, p. 348-9.

FONTE: Observatório Crítico das Religiões
Publicado sob licença do autor

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Swami Prabhupada: fundador do movimento Hare Krishna, e um racista virulento, anti-semita





Swami Prabhupada: fundador do movimento Hare Krishna, 
e um racista virulento, anti-semita

Palash Ghosh




Abhay Charanaravinda Bhaktivedanta Swami Prabhupada, mais conhecido como A.C. Bhaktivedanta ou simplesmente pelo honorífico “prabhupada” – foi um Bengali Hindu indiano, líder espiritual que fundou a Sociedade Internacional para a Consciência de Krisha, em si mesmo melhor conhecido como movimento “Hare Krishna”.
Prabhupada, que morreu em 1977, criou sozinho um fenômeno global que espalhou o “vaishnavismo”, uma seita do hinduísmo, até os extremos confins da Terra. Praticamente todas as grandes cidades (e até mesmo algumas cidades menores), na Europa, América do Norte, Austrália e América do Sul, - para não mencionarmos a própria Índia – possui hoje templos a Krishna, devotos com cabeça raspada e vestindo roupas açafrão.
O movimento Hare Krishna – que também, sem dúvida, ajudou a popularizar o yoga no mundo ocidental – atraiu um número igual de admiradores e críticos hostis fora da Índia. No entando, em sua essência, o movimento promoveu algumas atividades muito benevolentes e saudáveis, incluindo a oração, devoção a Deus, a paz, o vegetarianismo e a monogamia (ou, em alguns casos, a abstinência sexual).
Mas o homem que liderou o império Hare Krishna, Prabhupada, defendeu algumas visões controversas muito polêmicas, até mesmo ultrajantes, para aqueles que são, de outro modo, simpáticos ao comportamento espiritual e à teologia.
Por um lado, Prabhupada vomitou um ódio racial cáustico para com os negros/africanos – repetidamente e de forma explícita. Os exemplos de sua intolerância racial são numerosos, e frequentemente registrados em palestras e conversas privadas com seus muitos devotos e discípulos ao longo de décadas.
Mesmo se algum dos seus comentários foram tomados fora de contexto (como seus defensores e apologistas às vezes afirmam), o volume e a magnitude do seu imenso fanatismo não pode ser ignorado, nem revestido de açúcar.
Parte do ódio aos negros por Prabhupada resultou de suas profundas crenças hindus, que os povos de pele escura representam a parte inferior da hierarquia da raça humana – um reflexo direto baseado no antigo sistema de castas de cores da Índia.
Por exemplo, em abril de 1968, numa carta para um discípulo sênior, chamado Satsvarupa Dasa Goswami (nascido italiano católico romano, em Staten Island, com o nome de Stephen Guarino), Prabhupada escreveu: “Certamente não vamos dizer essas coisas sobre o povo negro publicamente, nós não fazemos distinção entre preto e branco, ou demônio e semideus, mas, ao mesmo tempo, contanto que seja demônio ou semideus, nós temos que agir de forma adequada”. Estas palavras, que sugerem que os negros devem ser mantidos a uma distância, foram proferidas logo após o assassinato de Martin Luther King Jr.
Durante um discurso antes de uma aula em Los Angeles, no final daquele ano, Prabhupada contou uma historia bizarra de como o apartamento dele, onde estava hospedado em Nova Iorque, tinha sido assaltado e sua máquina de escrever roubada. “Quando eu voltei [ao apartamento] vi a porta quebrada”, disse Prabhupada. “O síndico [do prédio] era um negro. Eu sei que fora ele quem tinha feito aquilo. Isso é muito comum aqui na América”.
Numa conversa com os devotos nas ilhas Maurício, em 1975, Prabhupada criticou o materialismo grosseiro do Ocidente e, simultaneamente, censurou às pessoas negras: “Isso tudo [a civilização] é absurdo”, declarou ele. “Um carro Rolls Royce de primeira classe, e quem está sentado nele? Um negro de terceira classe. Isso é o que está acontecendo. Você irá encontrar estas coisas na Europa e na América. Isso é o que está acontecendo. Um carro de primeira classe e um negro de terceira classe”.
Prabhupada frequentemente usava o termos “negro”, apesar de a palavra ter entrado em desuso na maioria dos países de língua inglesa.
O tema do negro, como amaldiçoado por Deus, e sem esperança para além da redenção, apareceu várias vezes nos comentários de Prabhupada.
Durante uma sessão de iniciação em Bombaim (agora chamada de Mumbai), ele disse a alguns devotos que estavam se preparando para irem a África: “Vocês têm uma boa oportunidade. Vocês estão indo para a África, para oferecer a aquelas pessoas... aqueles grupo de homens são considerados muito caídos... os negros. Eles estão habituados a roubar, por isso, eles foram destinados a viverem em locais separados, nas selvas africanas”.
Para um homem que veio de um país colonizado pelos britânicos, Prabhupada fez algumas declarações bastante chocantes sobre o imperialismo, em particular, pertinentes aos Estados Unidos. Em uma discussão com um discípulo chamado Syamasundara Dasa, Prabhupada parecia equiparar os nativos americanos (pejorativamente chamados de “peles-vermelhas”) da América do Norte, com os shudras (a mais baixa casta; os índios de pele mais escura no sistema de castas da Índia). “Shudras [negros] não têm cérebro”, disse ele. “Nos Estados Unidos também, toda a América pertenceu aos índios pele-vermelha. Por que eles não prosperaram? A terra estava lá. Por que fizeram isso os estrangeiros, os europeus, que vieram e prosperaram? Então, os Shudras não podem fazer quaisquer melhorias”.
Prabhupada, aparentemente, também abraçou profundamente o mito do “ariano”, super-raça, que ligou os povos antigos da Índia com a Europa e os Estados Unidos. Durante uma palestra na Austrália, dada um ano antes a sua morte, Prabhupada declarou que “Os Aryanos se espalharam também para a Europa, e os norte-americanos, também, se espalharam a partir da Europa. Assim, a classe inteligente do ser humano pertence aos arianos, a família ariana, do modo como Hitler afirmou que ele pertencia à família ariana”.
O Swami também igualou os Dravidianos, isto é, os habitantes originais de pele escura da Índia, que agora predominam no sul daquele país, aos negros africanos. Ele também lamentou que os Dravidianos (negros) misturaram-se com os arianos (brancos) ao longo da história indiana, incluindo a sua terra nativa, a Bengala. “Na Bengala... os pretos se misturaram com os brancos”, ele se queixou. “Na Bengala e em Madras [agora chamada Chennai, uma cidade no sul da Índia] muitos Dravidianos misturaram-se com os arianos. Portanto, na Bengala e em Madras vocês encontrarão muitos negros”.
Os Dravidianos, declarou Prabhupada, são “não-arianos. Assim como estes africanos, eles não são arianos”.
Parece que Prabhupada advertia que a mistura de raças que ocorreu na Índia estava ocorrendo também na Europa e na América, e que isso iria criar sérios problemas no futuro.
Ele também declarou algumas opiniões profundamente pessimistas sobre a questão do conflito racial dos Estados Unidos. Falando em Teerã, no Irã, em 1976, Prabhupada declarou: “Eu não acho que a questão dos negros [nos Estados Unidos] esteja resolvida... os brancos, ainda, eles não gostam dos negros. Onde quer que haja negros, no bairro que seja, os brancos não irão... embora a eles [aos negros] têm lhes sido dado direitos iguais, mas no coração dos brancos, eles não gostam disso. Existe alguma melhoria nisso? Eu acho que não”.
Prabhupada, também, parecia endossar a segregação, a separação de raças, referindo-se ao comportamento no reino animal. “[pretos] corvos, não irão gostar de viver com os patos e com cisnes brancos”, teria dito durante uma viagem de trem na Índia, durante o último ano de sua vida. “E cisnes brancos não gostam de viver com os corvos. Isso é uma divisão natural”.
Numa conversa com um discípulo americano, chamado Ramesvara, Prabhupada sugere que sem o controle do governo, por meio do bem-estar, as pessoas negras se tornariam “fora de controle”, e criariam a desordem na sociedade. “Especialmente no seu país [EUA] vai ser perigoso, porque esses negros, se eles não tiverem emprego, eles vão criar o caos”, disse ele. “E eles não são civilizados. Eles querem dinheiro, e se eles não recebem dinheiro, então eles irão criar grandes confusões”.
Em fevereiro de 1977, numa conversa em Mayapur, ao longo do Ganges, Prabhupada pontificou o que deve ser feito com os “negros” (os shudras) da Índia, mais uma vez, igualando-os com os Afro-americanos dos Estados Unidos. A espantosa maioria, como Prabhupada sugeriu, das pessoas negras, devem permanecer presas. “Os shudras devem ser controlados”, disse ele. “Eles nunca devem estar livres. Assim [deve ser] nos Estados Unidos. Os negros eram escravos. Eles estavam sob controle. E uma vez que vocês deram a eles os mesmos direitos, eles estão perturbando, mais perturbação, sempre criando situações temerosas [esses negros] são incultos e bêbados. Que tipo de treinamento eles têm? Eles têm direitos iguais? É melhor para eles mantê-los sob controle, como escravos, mas dando-lhes comida e roupas suficientes, não mais do que isso. Então, eles irão ficar satisfeitos”.

Anti-semita
Prabhupada também tinha algumas palavras escolhidas sobre os judeus. Numa outra conversa com Ramesvara, Prabhupada alegou que Hitler matou os judeus na Alemanha, porque os bancos nos Estados Unidos e Europa Ocidental [supostamente controlados pelos judeus) estavam ajudando a financiar Vladimir Lenin, a revolução comunista na Rússia, e em outros lugares. “Eles [os banqueiros judeus] estavam financiando contra [os interesses] a Alemanha”, disse Prabhupada. “Caso contrário, ele [Hitler] não teria inimizade contra os judeus... os judeus têm dinheiro. Eles querem investir e obter algum lucro. Seu único interesse é conseguir dinheiro, [não] nacionalismo, [não] religião, nada do tipo.. .portanto, Shakespeare escreveu ‘Shylock, o judeu”.
Além disso, falando em Nova Iorque, em março de 1966, o Swami declarou: “Hitler era um ótimo aluno do Bhagavad-gita [escritura clássica hindu]”.
Um devoto chamado Gopagopisvara Dasa escreveu que Prabhupada claramente abraçava o racismo e a eugenia. “Prabhupada certamente acreditava que havia uma raça humana mestre, os arianos, e que eles eram brancos ou bege”, escreveu ele. “A maioria das outras raças, como africanos ou nativos americanos, eram inferiores”.
Claro, Prabhupada nunca iria admitir que ele era um racista, pelo menos não da maneira que os ocidentais entendem essa palavra. Ele provavelmente nem sequer entendeu o furor que suas observações teriam feito (que foram transmitidas a um público amplo, e que não estaria durante a sua vida). Conceitos como “direitos civis”, e “igualdade humana”, são realmente sem sentido para alguém como Prabhupada, quem se dedicou a sua vida quase que exclusivamente a antigos textos védicos, e preparando para o próximo mundo.

fonte: IBT